segunda-feira, julho 18, 2005

JOÃOZINHO I


Somos todos Jardim por Sérgio Figueiredo

Há coisas que não se discutem. Por exemplo, este jornal há muito que deixou de tomar uma posição editorial sobre «as coisas» que Alberto João Jardim diz. Diga o que disser. No estilo boçal, arruaceiro ou até xenófobo. Não é para levar a sério. É impossível ficar indiferente, mas como a personagem - ou «a criatura», para usar expressão que lhe é familiar - está totalmente desprovida de credibilidade, ninguém lhe liga.

Toda a gente já alertou, pelo menos um milhar de vezes, para o facto de «ninguém o levar a sério» ser o grande problema. Pois isso transformou a figurinha no único cidadão inimputável com acesso diário aos «media».

Os que alertam, os que não ligam, são os mesmos que acabaram por reduzir a uma caricatura alguém que ocupa, por acaso há décadas, um cargo de soberania da nossa República.

Se esta pátria complacente tem o direito de eleger os seus palhaços do regime, os outros não têm nada a ver com isso. Para os outros países, para os povos e para os governos dos outros países, o Presidente do Governo Regional de uma Região Autónoma em Portugal é apenas isso - o máximo representante de uma região do país.

Como o nosso Estado continua uno e soberano, o ministro dos Negócios Estrangeiros não fez mais que a sua obrigação. Pedir desculpas à China e «deplorar as palavras» é o mínimo dos desagravos. Em nome dos portugueses.

E se o Presidente da África do Sul subisse a um palco de comício e gritasse: «Estão aí madeirenses? É mesmo bom para eles ouvirem, porque eu não os quero por aqui» - quem tinha a obrigação de defender os nossos imigrantes desse ataque aviltante e racista?

E se o governador de New Jersey também elaborasse sobre a globalização - «os madeirenses estão a entrar por aí», o que «está a prejudicar os postos de trabalho dos cidadãos americanos» - como proteger os milhares de compatriotas dessa fúria nacionalista, de «natureza comercial»?
Evidentemente, o Estado português. O que remete para este nível a solução para o «problema Alberto João».

A única vez que o Presidente da República o chama a Belém é para o sentar no Conselho de Estado.

O Procurador-Geral da República e o Mi nis tério Público escutam considerações racistas, contemplam a manifestação pública de xenofobia - nem um comunicado, menos ainda um processo de investigação.

A atitude de Freitas do Amaral e do Governo é uma gota de água, neste deserto institucional, em que não se percebe se domina a covardia, se o «deixa andar».

As manifestações de senilidade do doutor Alberto João repetem-se e agravam-se. Os covardes da Nação encolhem os ombros e encostam a consciência à democracia - afinal, ele tem as maiorias absolutas.

Santana Lopes e Paulo Portas também. No caso deles, a paciência esgotou em seis meses. A nossa República livra-se mais facilmente de um primeiro-ministro irresponsável que de um líder regional xenófobo.

Alberto João é claro por não querer chineses, indianos e ucranianos na «sua» Ilha: «Eu falo em nome dos nossos interesses. Se acham que devemos falir as empresas e entregar tudo aos estrangeiros».

Quantos dos nossos respeitáveis cidadãos, dos nacional-proteccionistas chique, pensam e defendem a mesma coisa? Não dizem palavrões em público, mas têm a mesma concepção do mundo.

Talvez a covardia e a complacência sejam a melhor das razões para «aguentar» Alberto João. A pior delas será, afinal, descobrir que cada português tem escondido um Alberto João dentro si.

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