Ontem, no aconchego do leito acolhedor, enquanto me preparava para adormecer- faço aqui uma nota: esta é, normalmente, uma das poucas alturas em que me é permitido conceder ao espírito (chamem-lhe o que quiserem) uma trégua do bulício quotidiano, e assim, ele, por vezes, parte rumo ao desconhecido, utilizando como meio de locomoção a nau do pensamento- dei comigo a reflectir sobre políticas de desenvolvimento. Analisei sumariamente, e de memória, alguns dos quadros conceptuais prevalecentes no pensamento económico actual, e, num primeiro momento, nada de anormal me surgiu.
Contudo, como por vezes sucede, as ideias surgem do nada e encontram-se numa qualquer célula desta folha de cálculo que é o nosso cérebro. Foi o que aconteceu. Quando dei por isso já era tarde, toda a minha atenção estava então direccionada para essa célula que, e em termos metafóricos, piscava e apresentava um côr avermelhada como se se tratasse de um indicador de perigo. Tinha encontrado aquilo que à primeira vista se me apresentava como uma contradição.
Não, não era uma contradição ao nível dos quadros conceptuais, visto que se se basearem em modelos de desenvolvimento diferentes, é natural que essas contradições existam. Esta contradição de que vos venho aqui falar, verifica-se ao nível dos pressupostos e dos objectivos que se pretendem atingir com algumas das políticas económicas, e que são parte integrante de um todo que é o modelo de desenvolvimento defendido na União Europeia ( sim, esta mesmo).
Antes de passar à contradição em si, convém definir o plano em que ela se coloca. Assim, é possível conceber o modelo de desenvolvimento europeu, como qualquer outro, assente num determinado conjunto de políticas macroeconómicas, em que se definem, entre outras, as políticas fiscail e monetária da união, e uma política regional, que indica e tenta promover o crescimento dos territórios que a constituem, assumindo como pressuposto essencial que estes são diferentes entre eles.
Eis que surge a contradição. Como todos sabemos, a U.E. é, para 11 países, também uma união monetária e para que uma união monetária tenha sucesso, é necessário que a sua área de influência seja uma zona monetária óptima. Coloca-se aqui um problema, um dos pressupostos para a viabilidade de uma Z.M.O. consiste, na ausência de políticas câmbiais intra-zona, na mobilidade do factor trabalho como forma de combater os choque assimétricos ( um choque assimétrico existe quando, por exemplo, num território mais alargado se encontram, em simultâneo, dois ou mais outros territórios que sejam parte integrante do território maior, e em que um(s) se encontram numa fase de expansão do seu ciclo económico e outros numa fase de depressão.). Por outras palavras, para que a U.E. seja, de facto, uma Z.M.O. e a sua união monetária um sucesso, é imperioso que o factor trabalho se movimente abundantemente no seu interior.
Por outo lado, temos as políticas regionais, que apesar de defenderem políticas diferentes para territórios diferentes, apresentam fins comuns: o crescimento económico desses mesmos territórios, e melhoria das condições de vida dos que nele habitam por forma a potenciar as condições necessárias à fixação, neles, desses mesmos habitantes assim como a que se tornem atractivos para pessoas e agentes económicos provindos de outros territórios.
A contradição surge-me óbvia, temos a união a puxar para um lado, e os territórios a puxar para o outro, a questão não seria grave se não fossem estes parte integrante da outra. Coloca-se uma questão: será que a união nunca será uma Z.M.O., mas terá territorios altamente desenvolvidos, se isso for possível, num quadro de uma união monetária, ou, à força de se tornar uma Z.M.O., relegará para segundo plano o crescimento das diferentes regiões assente numa perspectiva de respeito pelas diferentes ideossíncrasias de cada uma delas, e promoverá, concerteza, o crescimento desmesurado de umas em simultâneo com o atrofiamento de outras, criando um cenário de macrocefalias.
DESCULPEM