quarta-feira, março 02, 2005

CONTRADIÇÕES

Ontem, no aconchego do leito acolhedor, enquanto me preparava para adormecer- faço aqui uma nota: esta é, normalmente, uma das poucas alturas em que me é permitido conceder ao espírito (chamem-lhe o que quiserem) uma trégua do bulício quotidiano, e assim, ele, por vezes, parte rumo ao desconhecido, utilizando como meio de locomoção a nau do pensamento- dei comigo a reflectir sobre políticas de desenvolvimento. Analisei sumariamente, e de memória, alguns dos quadros conceptuais prevalecentes no pensamento económico actual, e, num primeiro momento, nada de anormal me surgiu.
Contudo, como por vezes sucede, as ideias surgem do nada e encontram-se numa qualquer célula desta folha de cálculo que é o nosso cérebro. Foi o que aconteceu. Quando dei por isso já era tarde, toda a minha atenção estava então direccionada para essa célula que, e em termos metafóricos, piscava e apresentava um côr avermelhada como se se tratasse de um indicador de perigo. Tinha encontrado aquilo que à primeira vista se me apresentava como uma contradição.
Não, não era uma contradição ao nível dos quadros conceptuais, visto que se se basearem em modelos de desenvolvimento diferentes, é natural que essas contradições existam. Esta contradição de que vos venho aqui falar, verifica-se ao nível dos pressupostos e dos objectivos que se pretendem atingir com algumas das políticas económicas, e que são parte integrante de um todo que é o modelo de desenvolvimento defendido na União Europeia ( sim, esta mesmo).
Antes de passar à contradição em si, convém definir o plano em que ela se coloca. Assim, é possível conceber o modelo de desenvolvimento europeu, como qualquer outro, assente num determinado conjunto de políticas macroeconómicas, em que se definem, entre outras, as políticas fiscail e monetária da união, e uma política regional, que indica e tenta promover o crescimento dos territórios que a constituem, assumindo como pressuposto essencial que estes são diferentes entre eles.
Eis que surge a contradição. Como todos sabemos, a U.E. é, para 11 países, também uma união monetária e para que uma união monetária tenha sucesso, é necessário que a sua área de influência seja uma zona monetária óptima. Coloca-se aqui um problema, um dos pressupostos para a viabilidade de uma Z.M.O. consiste, na ausência de políticas câmbiais intra-zona, na mobilidade do factor trabalho como forma de combater os choque assimétricos ( um choque assimétrico existe quando, por exemplo, num território mais alargado se encontram, em simultâneo, dois ou mais outros territórios que sejam parte integrante do território maior, e em que um(s) se encontram numa fase de expansão do seu ciclo económico e outros numa fase de depressão.). Por outras palavras, para que a U.E. seja, de facto, uma Z.M.O. e a sua união monetária um sucesso, é imperioso que o factor trabalho se movimente abundantemente no seu interior.
Por outo lado, temos as políticas regionais, que apesar de defenderem políticas diferentes para territórios diferentes, apresentam fins comuns: o crescimento económico desses mesmos territórios, e melhoria das condições de vida dos que nele habitam por forma a potenciar as condições necessárias à fixação, neles, desses mesmos habitantes assim como a que se tornem atractivos para pessoas e agentes económicos provindos de outros territórios.
A contradição surge-me óbvia, temos a união a puxar para um lado, e os territórios a puxar para o outro, a questão não seria grave se não fossem estes parte integrante da outra. Coloca-se uma questão: será que a união nunca será uma Z.M.O., mas terá territorios altamente desenvolvidos, se isso for possível, num quadro de uma união monetária, ou, à força de se tornar uma Z.M.O., relegará para segundo plano o crescimento das diferentes regiões assente numa perspectiva de respeito pelas diferentes ideossíncrasias de cada uma delas, e promoverá, concerteza, o crescimento desmesurado de umas em simultâneo com o atrofiamento de outras, criando um cenário de macrocefalias.
DESCULPEM

1 comentário:

ARV disse...

Como sabe, caro inimigo, sou um leigo nos assuntos da economia, mas talvez o ajude a sair desse rassaibo monolítico marxista que é a figura da contradição, se pensar no caso português.

Objectivos semelhantes, com aspectos cruciais de integração e garantia de mobilidade (mais ou menos, todos falam a mesma lingua - ou pelo menos entende-se - a cerveja é igual no norte e no sul, a Zara está quase todo o lado, etc.), e no entanto, essa garantia é posta em causa por mecanismos de inibição da mobilidade como sejam as portagens ou as milicias populares.

Por outro lado, temos política nacional que obedece umas vezes, paga umas multas outras vezes à UE (unidade transnacional); temos também políticas regionais (cada uma filtra à semelhança do seu director) e finalmente políticas locais, cada uma a puxar pelos seus interesses. As diferenças entre as diversas regiões são enormes. Temos o país a afundar-se para um lado e os concelhos a puxar para o outro (a avaliar pelo que diz sandanha Sanches, o caso é mesmo bera, mas se calhar é melhor também deixarmos a PJ saber destas coisas: a mania da PJ ser sempre a última a saber), cada qual a acenar boas condições na Derrama do IRC, isenção da cobrança do IMI, etc, etc.

Por isso, choques assimétricos é o que não falta por este país fora.

Já para não falar dos choques assimétricos da União das Nações Unidas, por exemplo. E de contradição em contradição, chegamos à negação da nossa existência e assim de toda a estrutura cartesiana em em volta do pensamento racional.